Eu sangrava, mas não era uma ferida física. Minha alma
estava cheia de arranhões profundos. O sangue escorria sobre as minhas pernas.
E eu não sentia culpa! Eu sentia medo. Medo do que poderiam achar, do como
iriam me condenar, me chamar de monstra ou algo parecido. A verdade é que eu
não estava preparada para ter aquilo. Preferia não pensar que já era um ser
formado, só tinham algumas semanas, três talvez. Talvez ali não houvesse nada,
talvez fosse só algo da minha mente, mas algo estava adquirindo vida dentro de
mim, poderia não ser um indivíduo, talvez fosse somente desregulação, o que
estava crescendo em mim era medo. Medo de um futuro interrompido ou de uma vida
interrompida. Mas uma coisa era certa. Eu
senti medo. Eu tenho uma vida em construção, não teria condições de cuidar de
outra vida. E não! Não foi egoísmo meu, foi sensatez. Como cuidar de outro
alguém se eu não consigo lidar comigo mesma? Afinal, eu tenho ou não direito
sobre o meu corpo? Mas eu me sentia suja, como se eu tivesse feito algo errado,
como se eu tivesse matado ou estuprado a alma de alguém. Mas na verdade eu só
escolhi a mim. Isso é pecado? Escolhi o meu desejo de viver, de ter condições
melhores, de não precisar sentir culpa por outro alguém? Eu chorava no meu
quarto, sentia dores indescritíveis no corpo, no espírito, sentia medo, sentia
angústia. O que será que eu fiz? Será
que fiz correto? Sentia-me tonta, parecia que eu ia vomitar o meu cérebro, na
verdade, eu preferia. Porque eu pensava demais, pensava em tudo, menos em mim. Eu havia bebido algo quente e amargo, tinha um
gosto forte. Bebi, e no outro dia
acordei com dores, tonta, e sangrando.
Cólicas fortíssimas. Pensei em me matar, eu já não iria mais para o
paraíso, eu havia feito coisas horríveis, eu seria condenada a um castigo
eterno. Eu não seria mais eu. Meu abrigo era a minha consciência, e no momento
ela estava conturbada, cheia de dúvidas. Eu tremia e chorava. Desmaiei sobre o
meu próprio desespero. Eu era uma menina. Sozinha. Ninguém iria me entender,
todos iriam me condenar. Ao acordar,
tomei um banho, tomei algum remédio para dor, coloquei os lençóis para lavar.
Sentei na minha varanda e comecei a raciocinar. Não, não sou um monstro! Sou
dona de mim! Sou dona do meu destino! Sou dona da minha consciência! Mas também
sou dona dos meus medos.
Marii Brandão
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